terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Separatismo na Bolívia

Acredita-se que Evo Morales constitui um fator de desestabilização na Bolívia e na América do Sul. Entretanto, eleito com 53,7% dos votos em dezembro de 2004, Morales acaba de ser referendado por mais de 67% dos eleitores que o confirmaram no cargo, em um processo cuja correção e legitimidade foram ressaltadas pelos observadores internacionais e pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Portanto, o veredicto do próprio povo boliviano parece contrastar com aquele conferido a Evo pelo senso-comum brasileiro e até mesmo por parcelas da mídia nacional.


Mais do que Evo e seu governo, o que está em questão é a existência do Estado Boliviano. Desta perspectiva, o fator de desestabilização vem dos separatistas. A secessão é protagonizada pela chamada região da Meia Lua, que concentra os departamentos de Pando, Beni, Tarija e Santa Cruz de la Sierra e é responsável por 80% do PIB boliviano, quase dois terços do território e cerca de 58% dos dez milhões de bolivianos. É de Tarija que vem quase 90% do gás consumido pelas indústrias brasileiras, especialmente a paulista. Além de sediar a segunda maior reserva de gás da América do Sul, a região também detém importantes recursos madeireiros e uma pujante produção de soja, que conta com significativa participação de produtores brasileiros. Trata-se de uma verdadeira “rebelião de elites”.


Ainda que a elite da região da Meia Lua possua um desejo histórico de autonomia, de mais de décadas, com a chegada de Morales ao poder intensificou-se o choque de projetos nacionais na Bolívia. Evo tornou-se o primeiro indígena a alcançar a Presidência, eleito com base em uma agenda de conteúdo fortemente antiliberal, o que incluía a promoção de setores sociais tradicionalmente excluídos. Assim, no início de seu governo, a nacionalização do setor de hidrocarbonetos gerou não atritos com o governo brasileiro mas também colocou em direções diametralmente opostas o governo boliviano e a elite autonômica.


O gás é recurso estratégico para que a elite da Meia Lua possa adequar a ambição econômica à representação política. É assim que surgem as chamadaseconomias de enclaveque, nos termos descritos pelo sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, correspondem a setores exportadores que permanecem alheios às outras atividades econômicas do país e desligam-se do desenvolvimento nacional. Como se não bastasse, Evo redirecionou parte do IDH, Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos, o qual garantia aos departamentos 32% sobre a produção do gás. O recurso passou a ser destinado a uma política pública chamada Renta Dignidad, pela qual os bolivianos maiores de 60 anos passaram a receber uma renda mensal vitalícia.


Sem o gás, torna-se inviável um Estado “Camba”, como se denominam os habitantes da porção oriental do país. Mais do que isso, sem o reconhecimento externo, o separatismo não passa de mera força conspiratória. Recentemente, na reunião da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), nove presidentes sul-americanos documentaram seu apoio à constitucionalidade do governo Evo Morales e à integridade territorial da Bolívia.


É neste contexto que se insere a integração sul-americana – a agenda do século XXI – o meio para atingir as finalidades de cidadania e soberania que estiveram ausentes durante o século passado. A unidade da Bolívia e da América do Sul são duas faces da mesma moeda. Não se pode esperar dos que defendem a violência por privilégios quenascer algo generoso e grandioso como a integração sul-americana.

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