terça-feira, 27 de julho de 2010

Qual o preço da informação?



Entrevista/Moniz Bandeira: Novo livro do pesquisador e historiador analisa as relações entre Brasil, Argentina e Estados Unidos


Estado de Minas, Sábado, 24 de Julho de 2010

Por Pablo Pires Fernandes

Como cientista político, recorro à história como ciência do presente e não apenas a ciência do passado, como geralmente se supõe”. A frase de Moniz Bandeira, de 74 anos, um dos maiores historiadores da política externa brasileira, ilustra bem a proposta de seu trabalho como pesquisador e escritor. Seus livros abordam boa parte das relações entre o Brasil e alguns de seus principais parceiros internacionais.

Recentemente, ele lançou Brasil, Argentina e Estados Unidos – cooperação e conflito na América do Sul (da Tríplice Aliança ao Mercosul), desdobramento de longa pesquisa iniciada com sua tese de doutoramento pela Universidade de São Paulo, intitulada “O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata – da colonização à Guerra da Tríplice Aliança”. Segundo ele, seus livros vendem bem e, apesar de volumosos, são freqüentemente reeditados. “Isso me deixa feliz. Vejo que meu trabalho não foi e não é em vão”, comenta.

Como o próprio autor ressalta, as principais obras constituem “um conjunto coerente e integrado de linhas e aspectos que se interligam, se desenvolvem e se aprofundam em diversas dimensões”.O título mais recente busca estabelecer uma perspectiva integrada. Bastante crítico em relação à postura imperialista dos Estados Unidos na América Latina e no mundo, Moniz Bandeira colhe precioso material em arquivos de vários países para sustentar sua análise. Nesse campo, além do último lançamento, discorreu sobre o tema em Presença dos Estados Unidos no Brasil (dois séculos de história), Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente (1950-1989) e As relações perigosas: Brasil x Estados Unidos (De Collor a Lula). Seus livros incluem a Alemanha, onde ele mora, o Chile da época de Salvador Allende e Cuba (o ótimo perfil De Marti a Fidel – A revolução cubana e a América Latina).

Em Brasil, Argentina e Estados Unidos..., sua abordagem foge um pouco do comum ao pensar as relações de maneira trilaterais. Por quê?

Não se pode compreender os problemas nas relações entre os países da Bacia da Prata, principalmente entre o Brasil e a Argentina, a partir do fim do século 19 e durante todo o curso do século 20,sem analisar os fatores econômicos e sociais e da política interna que lhes determinaram as relações e a política exterior, no século 20, dentro de um contexto em que os Estados Unidos se tornaram a força hegemônica no hemisfério. Em outras palavras, tratei de demonstrar a unidade e a interação entre política internacional e política nacional, além de explicar como e quando a política internacional, com a marcante atuação dos EUA, condicionou ou influiu sobre a política interna e a política na Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e de outros países da América do Sul.

Como o senhor analisa, historicamente, a rivalidade entre Brasil e Argentina?

Da mesma forma que a “tradicional amizade”do Brasil com os Estados Unidos, a “secular rivalidadecom a Argentina constituiu, em larga medida, um estereótipo ideológico, manipulado com o objetivo de influenciar a sua política exterior segundo determinados interesses, e o funcionamento do sistema de relações internacionais dentro do hemisfério. Da mesma forma que reagira, no século 19, ao predomínio da Grã-Bretanha,coma qual entrou em atrito ao rechaçar, desde 1844, as fortes e constantes pressões para a renovação do Tratado de Comércio de 1827, o Brasil, no século 20, não se conformou com a hegemonia dos Estados Unidos. Por outro lado, se bem que as relações entre o Brasil e a Argentina se caracterizassem pela rivalidade, sempre foram permeadas por períodos de cooperação. Histórica e geograficamente enlaçados pela rota do Atlântico e por fronteiras vivas comuns, os países tiveram economias em larga medida complementares, devido à variedade de solos e de climas. No entanto, embora suas economias não competissem e até mesmo se complementassem, as relações caracterizaram- se por forte rivalidade, fomentada, desde o fim do século 19, pelas indústrias de material bélico – a Krupp, da Alemanha, e a Schneider-Creusot, da França,competiam para a venda de armamentos aos dois países – e pelos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados Unidos, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial.

Como foi o processo de aproximação entre os dois países, no sentido de afastar a influência norte-americana?

O barão do Rio Branco, em 1907, havia lançado a ideia de formalizar o Pacto ABC, dado considerarvantagens numa certa inteligência política entre o Brasil, o Chile e a Argentina”. Em 21 de novembro de 1941, os chanceleres Oswaldo Aranha (Brasil) e Enrique Ruiz-Guiñazú (Argentina), firmaram tratado com o propósito de “conseguir estabelecer em forma progressiva um regime de intercâmbio livre, que permita chegar a uma união aduaneira (...), aberta à adesão dos países limítrofes, o que não seria obstáculo a qualquer amplo programa de reconstrução econômica que, sob a base da redução ou eliminação de direitos e outras preferências comerciais, viesse a desenvolver o comércio internacional, baseado no princípio multilateral e incondicional da nação mais favorecida”.O tratado não se efetivou porque, dias depois, o Japão bombardeou a base de Pearl Harbor, os Estados Unidos entraram na guerra contra o Eixo, e Brasil e Argentina adotaram posições diferentes, devido a seus interesses comerciais. Em 1949, o presidente Juan Perón ressuscitou a ideia do Pacto ABC,iniciando entendimento com o presidente Getúlio Vargas no sentido de formar união aduaneira entre a Argentina, Brasil e Chile. Aos Estados Unidos nunca interessou a união desses dois países. A União Democrática Nacional (UDN), partido de oposição ao governo, promoveu um escândalo e esse foi um dos fatores da crise que levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio em 24 de agosto de 1994. Tanto o ex-presidente Arturo Frondizi, da Argentina, quanto o ex-presidente José Sarney disseram que os estados lhes manifestaram forte reação quando ambos iniciaram entendimentos entre os dois países, em 1961 (Acordos de Uruguaiana) e em 1985 (Ata de Foz do Iguaçu).

Como o senhor o processo de parceria e integração entre Brasil e Argentina?

Todo processo de integração é difícil e demorado. O processo que levou à constituição da União Européia começou com o tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca), celebrado em 18 de abril de 1951, pela Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. Até hoje não terminou, enfrentando sérios problemas, entre os quais o da moeda única.

Como analisa as relações entre Brasil e Estados Unidos, que existem divergências, por um lado, mas várias parcerias, por outro?

Divergências sempre houve, sobretudo a partir do fim dos anos 1950.O Brasil, tanto sob o governo Jânio Quadros quanto João Goulart, entrou em atrito, defendendo a autodeterminação de Cuba. Depois, sob o regime militar, no governo do marechal Artur da Costa e Silva, houve vários litígios comerciais e divergências em política, que culminaram no governo do general Ernesto Geisel, quando ele reconheceu os governos revolucionários de Angola, Moçambique e demais colônias portuguesas, firmou o acordo nuclear com a Alemanha e denunciou o acordo militar Brasil-EUA. O presidente Lula da Silva manteve bom entendimento com o presidente George W. Bush, não obstante haver criticado a política exterior dos EUA, como no caso da guerra contra o Iraque, e manifestado fortes divergências, em vários aspectos, inclusive frustrando a formação da Alca. O Brasil tem seus próprios interesses nacionais, muitas vezes contraditórios ou mesmo antagônicos aos interesses dos EUA. Sua maior importância internacional está na razão direta da independência e autonomia de sua política exterior. Mas os dois países têm de manter necessariamente relações maduras e cooperar naquilo em que seus interesses coincidirem.

A postura do governo Lula no exterior tem sido mais incisiva. O Brasil tem conseguido ganhar reconhecimento?

A política exterior do presidente Lula da Silva e de seu chanceler, o embaixador Celso Amorim, é a que se espera de um patriota .O Brasil tem de enfrentar e vencer todos os fatores externos, superar todos os obstáculos que possam conter seu poder nacional e impedir que desempenhe papel de maior relevância, como global player. E daí porque seu governo tratou de expandir as fronteiras diplomáticas brasileiras, afirmar sua presença em todas as regiões do mundo, inclusive nos países ricos em petróleo e gás – Cazaquistão, Azerbaijão, Catar e Omã– e no centro das questões sobre a estabilidade política e a paz no Oriente Médio e na Ásia Central. Um dos principais objetivos da política exterior do presidente Lula é diversificar os parceiros e ampliar os mercados para as suas exportações e investimentos, sobretudo nos setores de mineração, petróleo, agricultura e infraestrutura. Se estivesse a depender apenas dos mercados da Europa e dos Estados Unidos, como alguns setores políticos defendiam, teria sofrido as piores consequências da crise financeira internacional. É necessário que o povo tenha consciência da projeção internacional do Brasil, da dimensão econômica e política que conquistou na comunidade das nações, e da importância da política exterior,como instrumento de afirmação do poder nacional, na medida em que preserva sua autonomia e independência. O Brasil deve estar preparado para enfrentar, no mar e em terra, os imensos desafios que se configuram no século 21. O direito internacional é respeitado entre as potências cujas forças se equilibram ou que tenham pelo menos uma possibilidade de retaliação. Essa lição deve pautar a estratégia de segurança e defesa do Brasil, em cujas fronteiras, com os pés na Amazônia colombiana, os Estados Unidos ampliam e instalam outras bases militares, ao tempo em que a Quarta Frota navega no Atlântico Sul, à margem das enormes jazidas de petróleo descobertas nas camadas pré-sal. As ameaças, conquanto possam parecer remotas, existem. E o presidente Lula está certo ao implementar o programa de modernização e reequipamento das Forças Armadas. Desde os tempos de Roma, sabe-se que si vis pacem, para bellum – se queres a paz, prepara-te para a guerra.

Material publicado com a autorização do entrevistado. As informações oferecidas neste blog não representam necessariamente a opinião do Painel Político. O conteúdo veiculado é de inteira responsabilidade do autor.