domingo, 12 de julho de 2009

Política Externa Independente: Modernização e Limites Estruturais




A Política Externa Independente (PEI) teve início com o governo Jânio e seu chanceler, Afonso Arinos. Tinha como princípios o desarmamento, a descolonização internacional, a primazia do Direito Internacional, a busca pelo desenvolvimento, a não-intervenção e a paz A iniciativa foi desenvolvida pelo chanceler San Thiago Dantas e buscava um tipo de inserção internacional madura pela qual o Brasil deveria agir de forma a atender seus interesses nacionais – sobretudo o desenvolvimento, reduzindo a dependência dos Estados Unidos.

O contexto interno da Política Externa Independente (PEI) era essencialmente de modernização. No plano econômico, intensificavam-se os processos de urbanização e de industrialização, na lógica do Processo de Substituição de Importações (PSI).

Segundo Maria da Conceição Tavares, tal processo é “fechado” e de “desenvolvimento parcial” (Tavares 1972:35). Ademais, centra-se no mercado interno e aumenta a dependência externa, visto que necessita progressivamente de tecnologia estrangeira (renovação do parque industrial) e de incremento de exportações (obtenção de divisas). Tais necessidades revelaram-se preocupações constantes na política externa econômica do período populista.

No plano político, a modernização traduziu-se na crescente identificação dos grupos sociais com os partidos, sendo os de maior destaque PSD, PTB e UDN. Em termos de ideologia, além da corrente socialista, há o forte embate entre o chamado “capitalismo nacionalista” (nacionalistas) e o “capitalismo dependente associado”. Segundo o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso, a lógica do desenvolvimento do capitalismo-dependente-associado é a seguinte:

"Faz-se uma divisão de área de atuação que, sem eliminar a expansão dos setores controlados pela burguesia local, desloca-os dos setores-chave da economia ou, quando a burguesia local consegue manter-se neles é de forma associada e subordinada. Ao mesmo tempo, cresce a base econômica do setor estatal, que se endereça aos setores de infra-estrutura, e assegura-se às empresas multinacionais especialmente o controle dos bens de consumo duráveis (automóveis,eletrodomésticos etc), bem como parte importante do controle da produção e exportação de produtos primários, brutos ou semi-industrializados" (Cardoso, 1975:47).

A conjuntura externa do sistema internacional impôs sérios obstáculos à implementação da PEI. Conforme Paulo Vizentini, ela se transforma de trunfo em verdadeiro ônus. Três acontecimentos são determinantes para constranger a iniciativa: a Revolução Cubana (1959), a subseqüente definição pelo socialismo (1961) e, por fim, a Crise dos Mísseis (1962). Acelerando uma contra-revolução norte-americana (Vizentini), diminuíram o espaço de manobra para a barganha brasileira. Na América, doravante, ou o Estado estava ao lado dos norte-americanos ou estava contra – não poderia haver “deslizes independentes ou neutros”.

A PEI possuía diversas limitações. Por um lado, verifica-se o constrangimento econômico, uma vez que o Brasil carecia de ajuda econômica cujo principal fornecedor tradicionalmente eram os EUA. Necessitava-se de divisas para fechar o balanço de pagamentos. Precisavámos de apoio econômico, mas não queríamos oferecer, como contrapartida, respectivo respaldo político sem receber benefícios econômicos – tal como se falava em um Plano Marshall para a América Latina. Essa dificuldade torna-se ainda mais expressiva considerando-se a conjuntura internacional, marcada pela crescente hegemonia dos Estados Unidos, então em busca de fortalecimento.

Por outro lado, Vizentini acertadamente refere-se à idéia de que a PEI foi “mais precoce do que equivocada”. O Brasil não possuía suficiente autonomia econômica capaz de sustentar uma proporcional autonomia política. Dificultou-se a defesa dos princípios da PEI(1) à medida que eles contrariavam os interesses dos EUA, nosso principal parceiro econômico.

O dilema da potência média mais uma vez veio à tona, já o país efetivamente ainda não era capaz de sustentar a política externa que defendia. O Brasil era economicamente dependente e frágil, com desequilíbrios internos e uma conjuntura internacional altamente constrangedora. Nos termos de Gérson Moura, ao Brasil não era mais permitido um caminho de “autonomia na dependência”.

Notas
1 - Soberania, paz, neutralidade, desarmamento, não-intervenção, plano autônomo de desenvolvimento, defesa do Direito Internacional, incremento de exportações.

Referências Bibliográficas

CARDOSO, F. H. Autoritarismo e democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Riode Janeiro: Zahar, 1972.
VIZENTINI, Paulo F. (aulas no PPG-POL). Porto Alegre: UFRGS, 2008.